Profano é mundano. Aquilo que pertence ao mundo, o que é próprio ou natural à humanidade em contraposição a tudo que é divino, iniciático ou transcendente. A origem etimológica da palavra traz em si essa cisão: (“pro”) diante (“fanum”) templo ou lugar sagrado. E se nos imaginarmos como um templo, o que deixaríamos fora dele?
Obras com elementos góticos e fantásticos exploraram a separação da personalidade. Estamos falando de “O Estranho caso do Doutor Jekyll & do Senhor Hyde”, de Robet Louis Stevenson; e de “O Retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde. Nos dois livros temos a partição da personalidade dos personagens principais, sendo uma das partes representada pelo seu lado obscuro, que, na psicologia freudiana, podemos chamar de “Id”.
Em Dorian Gray, a imortalidade é alcançada preservando-se a integridade do corpo e do espírito e atribuindo-se todos os efeitos da decadência física, emocional e espiritual a um objeto supostamente inanimado, mas que contém a essência capturada do personagem. Em Jekyll & Hyde, obra comumente conhecida pela designação “O médico e o Monstro”, a suposta cura obtida pela ciência traz à tona o monstro desumano e irracional, que o próprio personagem chama de “outro Eu”. A ruína que a dissociação da personalidade provocou nos personagens nada tem de spoiler – é anunciada.
O “Id” é uma das três instâncias que formam a psique humana – juntamente com Ego e o Superego, segundo Freud em sua segunda Teoria do Aparelho Psíquico. O “Id” é o polo pulsional da personalidade humana – constituído por desejos, vontade e inclinações primitivas - , é inconsciente, primitivo, inato e hereditário. A partir do “Id”, formam-se as demais instâncias da psique, que culminam por se sobrepor na vida em sociedade. Então, o “Id” é o nosso “monstro” interior. É tudo que queremos esconder para obtermos validação social. Mas, por mais que o escondamos na escuridão da nossa mente, ele continua lá e estará sempre nos assombrando, porque inevitavelmente precisamos dele. O “Id” é o centro da nossa força vital, de onde depuramos a nossa energia. Não podemos viver sem ele, por mais que as nossas “selfies” e “stories”, assim como o retrato de Dorian Gray e a repentina cura do Dr. Jekyll, aparentem o contrário.
Para alcançarmos a energia vital do “Id” precisamos mergulhar em nossa obscuridade. Não se trata de dominá-la ou superá-la, mas permitir que nossas estruturas mentais aprendam a reconhecer, respeitar e viver com essa força que nos habita, depurando a energia que dela emana. Talvez tenha relação com a matéria e a energia escura do universo, que replica nos recentes achados científicos. Quem pode saber? Certo é que devemos harmonizá-la com os demais aspectos da nossa existência, convertendo-a em fonte de energia vital e extraindo aquilo que o “Id” tem de melhor.
O livro “Escritos Profanos” explora a busca pela reconciliação da personalidade com o aspecto obscuro ou “sombra” que integra a nossa psique, pois no fundo do abismo existencial está a energia e o movimento que afasta o declínio.
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