As sombras advindas de uma infância difícil
e do contexto obscuro da sociedade vitoriana
encontram-se projetadas na obra do escritor Charles Dickens.
Seus fantasmas, duendes e objetos fantasticamente animados, para além de margear os frágeis limites entre loucura, sonho e realidade, podem ser interpretados como metáforas para designar outro signo da psique: o arquétipo da sombra.
A sombra é a imagem oculta por trás da figura de todo homem e da sua ilusão de liberdade incondicionada. E identificar a sombra é reconhecer, em primeira instância, que somos determinados pelas nossas específicas circunstâncias e, assim, pelo contexto em que estamos inseridos. É encarar o fato de que somos condicionados.
Diante disso, é interessante notar, nos contos de Dickens, que seus fantasmas e seres fantásticos estão sempre à espreita para passar alguma mensagem aos personagens: uma mensagem que não afluiria espontaneamente da consciência. Ou ainda, estes seres transmitem recados da alma que, em meio à loucura do personagem, lembram-lhe resquícios da sua sanidade e da humanidade de outrora. Cria-se, deste modo, a ponte entre consciente e inconsciente.
Quando a sombra assume o papel de um dos muitos arquétipos da vida psíquica, consiste em estrutura ativada pela necessidade, permitindo que haja o diálogo entre a consciência e aquele segmento psíquico primitivo e socialmente inadequado, mas que é parte constitutiva de tudo que é propriamente humano e fonte de energia vital.
Ainda assim toda obscuridade advém daquilo que se antepõe à luminosidade, o que faz da sombra uma decorrência lógica da matéria e da luz. Ela nos lembra de que, embora iluminados, somos matéria e não fluímos como a luz. Por isso, a um só tempo, traz-nos à consciência a nossa condição e impulsiona o desejo por liberdade.
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